Alberto Caeiro apresenta-se como um simples "guardador de rebanhos", que só se importa em ver de forma objectiva e natural a realidade, com a qual contacta a todo o momento. Em Caeiro há a inocência e o deslumbramento pela constante novidade das coisas. O poeta constrói uma doutrina orientada para a objectividade, para a contemplação dos objectos originais, para o conhecimento intuitivo da Natureza. Caeiro constrói uma poesia das sensações, apreciando-as como boas, por serem naturais. Numa clara oposição entre sensação e pensamento, o mundo de Caeiro é aquele que se percebe pelos sentidos. "Argonauta das sensações verdadeiras", o Poeta ensina a simplicidade e a clareza totais, o que é mais primitivo e natural. Daí que a poesia das sensações seja também uma poesia da Natureza: Caeiro afirma-se o poeta da Natureza, que ama a Natureza, vive de acordo com ela e a vê na sua constante renovação. Passeando e observando o mundo, personifica o sonho da reconcialição com o Universo, com a harmonia pagã e primitiva da Natureza.
«Sinto o meu corpo deitado na realidade,
sei a verdade e sou feliz.»
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A composição tipográfica apresentada, que recria uma árvore, pretende traduzir simbolicamente a visão de Caeiro descrita anteriormente, nomeadamente a sua profunda comunhão com a Natureza, o regresso às origens e o sensacionismo que define toda a obra - o sentido das coisas reduz-se à sua existência, forma e cor. O pensamento metafísico nada acrescenta à realidade, que vale por si mesma. O sentido de uma árvore é o que percepcionamos dela através dos nossos sentidos. Como o poeta tão engenhosamente nos explica, "comer um fruto é saber-lhe o sentido".
O fundo branco e a utilização apenas da cor preta na construção da árvore pretendem reflectir precisamente a objectividade e a clareza com que Caeiro vê o mundo. As forma curvilíneas dos versos e palavras que compôem a árvore exprimem a alegre e despreocupada sensualidade com que o poeta vive as sensações. A fonte utilizada - Edwardian Script ITC -, apesar de não ser uma fonte graficamente simples, é uma fonte que se assemelha à letra de escola primária e, portanto, pretende reflectir essa objectividade (própria do mundo de Caeiro) e inocência na forma de observar o mundo que caracterizam a nossa infância. Além disso, é uma fonte que facilitou a construção gráfica da árvore, com todas as linhas e contornos que eram imprescindíveis para produzir o efeito desejado.
Ricardo Reis é o poeta clássico, da serenidade epicurista, que aceita, com calma lucidez, a relatividade e a fugacidade das coisas. Na poesia de Reis, a vida é efémera e o futuro não existe. As certezas da relatividade das coisas e da fugacidade da vida levam-no a estabelecer uma filosofia de vida, de inspiração horaciana e epicurista, capaz de conduzir o homem numa existência sem inquietações nem angústia. O poeta procura uma forma de viver com o mínimo de sofrimento, mediante um esforço lúcido e disciplinado para obter uma calma qualquer. Reis procura um prazer relativo, uma verdadeira ilusão da felicidade por saber que tudo está traçado (Fado), tudo é transitório, tudo tem seu fim, como é demonstrado no poema "Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio", que serviu de inspiração à composição tipográfica.
«Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.»
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Nesta composição tipográfica pretende-se representar um riacho que corre incessantemente para o mar, que constitui uma metáfora para o pensamento filosófico de Ricardo Reis: a vida é efémera, tudo é fugaz, nada fica. Perante esta certeza, o poeta advoga a procura do prazer de cada instante sabiamente gerido, com moderação e sem desprazer ou dor. A orientação horizontal da composição, assim como o fundo cinzento (que pretende reflectir a indiferença céptica ou apatia do heterónimo), têm como objectivo exprimir simbolicamente a serenidade epicurista do poeta e a tranquilidade (ataraxia) que ele busca no sentido de evitar qualquer perturbação ou dor. Utilizou-se a fonte Arial, pois é um tipo de letra simples, sem serifas, que tem como objectivo traduzir a lucidez e disciplina que o poeta considera imprescindíveis para se conseguir viver, perante a efemeridade da vida e relatividade das coisas, com o mínimo sofrimento.
Álvaro de Campos é o heterónimo que reflecte a insubmissão e rebeldia dos movimentos vanguardistas da segunda década do século XX, olhando o mundo contemporâneo e cantando o futuro. A composição tipográfica centra-se na segunda fase da sua obra poética (fase futurista/sensacionista), em que o poeta se revela como o poeta vanguardista que, numa linguagem impetuosa, excessiva, canta o mundo contemporâneo, celebra o triunfo da máquina, da força mecânica e da velocidade. Campos exalta a cidade, a sociedade e a civilização modernas com os seus valores e a sua "embriaguez". Aponta a beleza dos "maquinismos em fúria" por oposição à beleza tradicionalmente concebida, ou seja, canta a raiva mecânica em contraste com o desejo de sossego e de serenidade. Tanto a Ode Triunfal como a Ode Marítima reflectem bem esta exaltação do mundo mecânico, assim como exprimem a intensidade e totalização das sensações. Com efeito, Campos é um verdadeiro sensacionista, que procura o excesso violento das sensações (à maneira da Walt Whitman), manifestando a vontade de ultrapassar os limites das próprias sensações. Campos, sentindo a complexidade e a dinâmica da vida moderna, procura a totalização das sensações, conforme as sente ou pensa, o que acaba por lhe causar tensões profundas, que se reflectem na terceira fase da sua obra (fase intimista/independente).
Aqui fica um excerto dessa obra poética genial que é a Ode Triunfal e que serviu de inspiração à composição tipográfica.
Eh-lá, eh-lá, eh-lá, catedrais!
Deixai-me partir a cabeça de encontro às vossas esquinas,
E ser levado da rua cheio de sangue
Sem ninguém saber quem eu sou!
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Decidiu-se recriar a imagem sugerida na quadra referida anteriormente através de uma das representações existentes da figura de Fernando Pessoa (todos os heterónimos são Pessoa, assim como Pessoa é todos os heterónimos). Surge então a figuração tipográfica de Álvaro de Campos na sua relação com o mundo moderno, industrializado (representado na parte direita da composição), que reflecte o excesso violento das sensações, isto é, a vontade de ultrapassar os limites das próprias sensações - o poeta quer "sentir tudo de todas as maneiras" e "ser toda a gente e toda a parte". Pretende-se então simbolizar a totalização das sensações que o mundo moderno e a cidade provocam no heterónimo. O facto das palavras aparecerem cortadas, tanto na figura de Álvaro de Campos/Fernando Pessoa como na “catedral” à direita, pretende realçar exactamente a vertigem insaciável do poeta na procura das sensações. A fonte utilizada caracteriza-se, como o próprio nome indica, pelo impacto que a sua forma transmite. Recorreu-se a esta fonte para expressar o modernismo do heterónimo e porque era a mais apropriada para preencher a figura de Álvaro de Campos.
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