Seguem-se as composições visuais finais, relativas à proposta de trabalho 1, e respectivas memórias descritivas.
A escolha do tema que foi alvo de uma interpretação visual recaiu sobre uma composição musical do grande espírito revolucionário negro que foi Fela Kuti. A música intitula-se "Zombie" e reflecte profundamente a temática fortemente política das músicas deste autor assim como o seu estilo pioneiro e original. Apesar de ser uma composição musical longa (cerca de 12 minutos) e que se afasta do que se convencionou chamar pop/rock, é uma música que se "entranhou" na minha pele, pela sua violência rítmica e discursiva, pelo seu poder libertário e por simbolizar a luta contra a injustiça e pela liberdade.
A música escolhida para servir de tema para a proposta 1 caracteriza-se, entre outras dimensões, pela sua riqueza harmónica e melódica, por uma extravagante complexidade e "violência" rítmicas e pela livre improvisação jazzística, nomeadamente a nível dos instrumentos metálicos que compõem a sua linha condutora. Todas estas características resultam numa composição musical muito poderosa que, desde o início, nos envolve numa teia rítmica que vai sofrendo alterações - com paragens bruscas, múltiplos contratempos e improvisações de frases musicais por parte de vários instrumentos -, sem nunca perder o seu forte cunho frenético.
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Os elementos básicos da comunicação visual predominantes na composição circular são o ponto, a linha, a forma, o tom, a cor, a dimensão a escala e o movimento. Nessa composição visual estão presentes elipses de diferentes cores, dimensões e escalas que têm como objectivo reproduzir visualmente a riqueza melódica e rítmica da música, isto é, reflectir as diferentes e múltiplas variações presentes na música sobre o mesmo refrão musical, características da livre improvisação jazzística. Como se de um ponto inicial com uma dimensão, uma cor e uma escala fossem surgindo sucessivamente novas “dimensões musicais” com outras “cores” e escalas musicais. As espirais, que também são constituídas por cores diferentes, pretendem traduzir a natureza circular da música. Por outras palavras, apesar de apresentar paragens bruscas e múltiplos contratempos, a música “Zombie” é construída a partir de uma técnica de espiral, em que as improvisações partem sempre de um refrão que vai sendo constantemente “relembrado” ao ouvinte. As cores utilizadas são o vermelho, o verde, o amarelo e o preto, que constituem o vocabulário visual fundamental da maioria da música africana. Para mim simbolizam a paixão e a entrega com que os povos africanos vivem a vida (vermelho), a sua comunhão com a Natureza (verde) e a luminosidade das terras e do espírito africano (amarelo).
Como afirma Donis Dondis aos triângulos associam-se acção, tensão e conflito. As estruturas triangulares que completam a composição tencionam assim traduzir a “violência” rítmica e discursiva da música, imprimindo à composição visual uma sensação de intensificação, amplificação que a música transmite desde o início e que se prolonga pelos restantes minutos com um forte carácter frenético e poderoso. As forma triangulares fazem também lembrar a boca dos primeiros fonógrafos assim como o saxofone, que é o instrumento dominante da música “Zombie”.
Na base da teoria da forma está a crença que para compreender qualquer sistema é preciso reconhecer esse sistema como um todo formado por partes interactuantes, que podem ser isoladas e vistas como inteiramente independentes, e depois reunidas no todo. A forma corresponde à maneira como as partes estão dispostas no todo. A meu ver, a combinação visual de todos os elementos da comunicação visual presentes na composição circular reproduzem a instabilidade, a complexidade, a espontaneidade e o movimento que caracterizam a música em questão. Assim, as técnicas de comunicação visual privilegiadas na construção desta composição visual foram a instabilidade, para realçar a inquietação, a provocação e movimento próprios da música; a complexidade, para salientar a riqueza harmónica e melódica, e a espontaneidade, que traduz a liberdade artística e a impulsividade distintivas desta música. A abordagem musical de Fela Kuti, expressa na multiplicidade de instrumentos e ritmos utilizados em pura explosão sonora, forma um todo complexo mas com um poder libertário que invade e conquista o nosso corpo aos primeiros sons do saxofone. Na minha opinião, o todo que percepcionamos nesta composição visual remete-nos para um ser vivo, livre, dinâmico, musical que está em constante movimento, mas em movimento de contra-corrente, como o próprio autor.
Fela Kuti é o criador do Afrobeat, uma mistura contagiante e poderosa de funk e jazz americanos com os ritmos tradicionais da música nigeriana e do highlife da África Ocidental. O nigeriano utilizava a música como forte instrumento político, criticando a exploração do homem pelo homem, as lutas fratricidas entre os povos e o papel que o mundo ocidental desempenhou (e continua a desempenhar) na miséria e agonia social em que vivem os povos africanos. Na sua visão, o africano deveria libertar-se do complexo do "colonizado" e, por isso, deveria revoltar-se contra os regimes corruptos e hipócritas, entre os quais o governo nigeriano, que governavam os países africanos após a independência. A música escolhida, "Zombie", é um ataque mordaz aos soldados nigerianos, usando a metáfora "zombie" para descrever os métodos brutais das forças armadas nigerianas.
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O principal objectivo da composição quadrangular é exactamente transmitir visualmente a mensagem referida anteriormente, mais propriamente um “quebrar de amarras” do africano, a libertação de tudo aquilo que ainda impossibilita a sua auto-determinação e condiciona a sua liberdade. Após uma extensa recolha fotográfica, consegui uma fotografia que, após ter sofrido algumas alterações em Photoshop, tem todos os elementos que considero imprescindíveis para transmitir esse “estilhaçar” das correntes que Fela Kuti considera, e bem, ainda prenderem os povos africanos. Para além deste objectivo, a composição quadrangular traduz ainda visualmente muitas das características da música “Zombie”.
O primeiro aspecto que salta à vista quando percepcionamos esta composição é a profusão de formas (ramos) que saem do tronco principal, o que pretende transmitir essa forte sensação de libertação, o “quebrar de amarras” mencionado atrás e o ritmo “diabólico”, serpenteante e ziguezagueante da música. Além disso, esses ramos têm formas, direcções, cores, tons e texturas diferentes, exprimindo assim o dinamismo e a complexa diversidade harmónica e melódica da música. Com efeito, a textura (como elemento básico da comunicação visual) desempenha um papel fundamental nesta composição visual. Para além das diferentes texturas da árvore, visualizamos a textura mais “aveludada” das nuvens que reflecte as ambiências mais calmas e oníricas criadas pelo órgão durante a música. O Sol, que está parcialmente encoberto por nuvens que parecem fazer um V de vitória, simboliza a luz que deve despertar os povos africanos para os combates diários que é necessário travar por uma sociedade livre e plena no respeito pelos direitos humanos. Deste modo, verifica-se que, para além do ponto e da linha, são a forma, a direcção, o tom, a cor, a textura e a escala os elementos básicos da comunicação visual preponderantes nesta composição. As técnicas de comunicação visual que estão mais presentes nesta composição visual são a espontaneidade, que reflecte a impulsividade e a liberdade que o autor dá à sua imaginação criadora; a fragmentação, que sugere movimento, e a profundidade, que permite perspectiva e realçar as formas da árvore.
O todo da composição interpreta visualmente, na minha opinião, o movimento constante e a expressão de força e poder libertário que a música transporta e me transmite.